Marcos Brandalise | 06/05/2020 11:08

06/05/2020 11:08

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Entre a vida e a morte

Desde já quero esclarecer que esta reflexão não se trata da dicotomia criada entre economia versus vírus. Não é sobre o que deve prevalecer entre um e outro, se vamos morrer de vírus ou fome. O ponto de abordagem é outro. Se você achar que ao escrever essas linhas estou defendendo um ou outro lado, é porque não compreendeu absolutamente nada. A reflexão antecede a atual pandemia, embora por ela perpassa.

Antes mesmo da pandemia covid-19 as notícias de assassinatos, abortos, estupros e qualquer outra desgraça do gênero já não despertavam a repugnância sócio-coletiva. Com a pandemia, aquilo que se pensava e não se dizia, foi dito (pensado ou não). Talvez por sentirem a necessidade de ser transparente consigo ou por conveniência, por amor à causa ou simplesmente por pensarem assim mesmo. Seja qual motivo for, a questão é a banalização da vida como argumento de convencimento. Ou, como quiser, pois no final se encontram, a valorização da morte como justificação do argumento. Um ou outro, sejam a vida ou morte, como disse, no final se encontram (ou se despedem…enfim).

Por mais fundamentos que possam ter para defender a necessidade da retomada da economia e a não paralisação coletiva, vários com sólidos alicerces, defensáveis, com argumentos maduros e sadios que provocam a reflexão, um, ao menos, parece padecer do toda lógica: o de que a morte justifica a retomada econômica. Coisas do tipo “H1N1 matou mais”; “se não morrermos de vírus morreremos de fome” (logo, morto por morto, prefere-se morrer trabalhando, ao que parece), “todos vamos morrer um dia, não é vírus que o fará” (o argumento aqui sepulta a racionalidade, poderia, então, de outra mão, justificar o assassinato, pois não?).

Sempre aprendi que a vida é o que mais de precioso possuímos e custe o que custar devemos lutar por ela. Juridicamente, psicologicamente, pela felicidade, religião, família, tudo pressupõe a vida. Ao menos deve(ria) ser assim. Mas, com o desenrolar social as coisas mudam (como o homem e o rio de Heráclito de Efeso), para o bem ou para o mau (ou para o amor e para o ódio).

A vida foi banalizada para justificar a morte. A dicotomia, pois, não é mais sobre esquerda vs direita ou economia vs saúde, otimista vs pessimistas. Subimos um (ou mil) andar na audácia. Sim, fomos além do céu – que era pra ser o limite. Nos alçamos ao patamar da divindade. Agora discutimos a vida e a morte e qual das duas deve prevalecer. Para morrer é preciso…viver, ou não mais?

Enquanto vamos criando fórmulas para justificar aquilo que defendemos, esquecemos de defender aquilo que precisamos. Custe o que custar, tudo indica que a regra é: defenda e não abra mão do seu ponto de vista sob todo argumento, ainda que vil e desprezível. Isso demonstrará que não teme em falar do sagrado, mesmo que desvele o descuidado com o Verbo e descortine o que verdadeiramente és.

“Por essa sílaba lhes golpeava os ouvidos com rudeza excessiva e essa voz lhes parecia malfadada, os romanos aprenderam a amolece-la ou a ampliá-la em perífrases. Em vez dizer, morreu, dizem: ele cessou de viver; ele viveu.” (Montaigne – 1533-1592 – Ensaios: “Que Filosofar é Aprender a Morrer”).

 

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